27/08/2010


OLHA O RAPPA, OLHA O RAPPA!

quando a banda musical carioca fará nos palcos
o que magistralmente produz nos estúdios e cd´s?

A primeira vez que ouvi a banda carioca O Rappa nas rádios de São Luís fiquei entusiasmado. O som diferenciado, mesclado com vários sotaques, ritmos e estilos - vertente típica da “world music”, que traz em um só grupo musical: rap, reggae, hip-hop, funk, MPB, rock alternativo, rap rock, samba-rap, hardcore e outros.

Procurei logo saber que banda era aquela que há tempos não soava novidades aos meus ouvidos ávidos por músicas de boa qualidade e mente exigente por natureza, desde os 12 ou 13 anos de idade.

Até então sem descobrir, em um belo e ensolarado dia almoçava mais tarde assistindo ao programa Vídeo Show, da Rede Globo, que exibiu matéria com a banda sobre os hits estourados nas emissoras de todo o Brasil, “Pescador de Ilusões” e "Vapor Barato", essa última composta pelo poeta “maldito” Wally Salomão. Já era o segundo cd, “Rappa Mundi”, produzido pelo experiente Liminha. Além disso, também vi na TV que a banda, especialmente o letrista e baterista da época Marcelo Yuka tinha coração grande, alimentava a filantropia e erguia a bandeira contra as diferenças sociais de países como o Brasil. De cara, mostravam-se defensores de uma sociedade igualitária e justa, deixando isso claro nas letras das músicas e nas atitudes de cada um. Muito legal e ponto a mais para O Rappa, que já tinha contaminado o meu sangue pelo som.

Não demorou muito para o primeiro show ao vivo deles vir para São Luís, no ginásio Castelinho, com a presença de escasso público e som de péssima qualidade pela acústica do ambiente. Entusiasmado, antecipadamente adquiri os meus ingressos e cheguei cedo para pegar bom lugar, próximo do palco. E após a “sonzeira” regada a alguns chopps, saí de lá como se sentisse a falta de algo. Aliás, uma confusão na cabeça: faltando ou excesso naquilo que ouvira dos cd´s.

Link do vídeo-clip da música "Pescador de Ilusões", versão "Toca do Bandido"
http://www.youtube.com/watch?v=YUoYBLUIH0c

Vieram outros trabalhos de estúdio de altíssima qualidade, especialmente o cd “Lado B Lado A”, gravado na “Toca do Bandido”, do genial produtor musical Tom Capone - infelizmente falecido em um acidente de moto nos Estados Unidos, em 2004. Assim, também aconteceram outros shows em São Luís (estive presente em todos) e sempre ficava com a mesma sensação que tive no primeiro: a falta ou excesso de algo nos “ao vivo”.

Assisti na TV a várias gravações e apresentações da banda no palco para ter certeza daquilo que ficava nos shows em que estava presente. Mas nada de digerir fácil o que de imediato comprava naquilo que a banda produzia com primazia nos estúdios e nos cd’s. Foram programas nos palcos da MTV, Bem Brasil (TV Cultura), Faustão, Caldeirão do Huck, Serginho Groisman, dentre outros.

Um dia, na casa de shows “Batuque Brasil”, em julho, período de férias e ainda de efervescente festa junina em São Luís, não queria deixar de acompanhar o Boi de Maracanã na primeira apresentação da noite, no Projeto Reviver. Dividido, imaginei naquele instante a fusão de ritmos das matracas e pandeiros maranhenses com a riqueza e flexibilidade musical d’O Rappa. Dava para “viajar” nos sons da banda em ritmo de bumba-meu-boi. E durante o show, após a execução da excelente “Instinto Coletivo” (o vídeo-clip é bárbaro, com um jogador de capoeira produzido em 3D), não me contive e enviei recado manuscrito para Yuka, Falcão, Lobato (que é maranhense), Xandão e Lauro, sugerindo que bebessem na fonte dos ritmos da cultura maranhense.

Link do vídeo-clip da música "Instinto Coletivo"
http://www.youtube.com/watch?v=lePKOZ1rk6o&ob=av2e

Pela sensibilidade do baterista e líder da banda na época, Marcelo Yuka (hoje na banda F.U.R.T.O), não seria difícil, não! Mas, infelizmente, algum tempo depois, o mentor de O Rappa foi vítima da violência urbana em assalto no Rio de Janeiro, ficando paraplégico. Daí, na sequência veio a sua saída, que para mim foi uma perda substancial na concepção dos trabalhos e no som da banda.

Mesmo com Yuka na “batera”, novamente naquele show tive as mesmas impressões de sempre dos “ao vivo”: excesso ou falta de algo no som dos caras! Por ser um simples e mortal fã, tapei os ouvidos e procurei me divertir.

Chegou então ao mercado o acústico MTV, produção especial com releituras do repertório da banda e com aquela peculiar característica dos instrumentos não elétricos (na teoria) e com participações especiais (como sempre).

Aos meus ouvidos, a maioria das músicas deixou a desejar. Porém, algumas me causaram boa surpresa, como a belíssima “O Novo Já Nasce Velho”, que infelizmente não compõe o CD e faz parte somente do DVD. E os excessivos e desnecessários ruídos atrapalharam o todo e comprometeram, no meu entendimento, o resultado final do acústico do Rappa. 

Link do vídeo-clip da música "O Novo Já Nasce Velho"
http://www.youtube.com/watch?v=qoemE2UPJEo

A relevância dos efeitos em detrimento das performances do contrabaixo e bateria, por exemplo, o grupo não conteve o excesso nem mesmo no acústico. Nos “ao vivo” a guitarra de Xandão em vez de solar ou marcar harmonicamente a música, disputa (usando uma pedaleira à la The Edge, do U2) com os 2 teclados e mais as mixagens sonoras do dj Negralha.

É muito efeito sonoro no palco - nem nos tempos do rock progressivo psicodélico do final dos 60 e início dos 70 era tanto, por exemplo, com as quase instrumentais bandas Yes, Jethro Tull, Led Zeppelin, Gênesis, Marillion e Pink Floyd ou dos brasileiros Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal e Mutantes. Ainda nota-se que a bateria e o contrabaixo parecem sair do compasso e atravessar a harmonia de algumas músicas. Muitas vezes, também aceleram e obrigam o cantor Falcão a correr nos vocais. Nos shows, sem parar de pular no palco, parece que às vezes o vocalista perde o fôlego. Ele chega a “engolir” algumas partes das letras das músicas na tentativa de acompanhar o ritmo dos companheiros. Fica parecendo que há disputa entre eles para quem toca mais rápido ou para quem faz mais efeitos especiais em algumas músicas.

Link do vídeo-clip da música "Lado B Lado A"
http://www.youtube.com/watch?v=lC_p96BS-Rc

Esses detalhes são perceptíveis, principalmente no sucesso “Lado B Lado A”. Tente acompanhá-la com simples batucar de mãos ou mesmo batendo os pés. Lá na frente você perderá o ritmo, atravessará a harmonia e não conseguirá mais acompanhar o som. Então você vai parar e tentar entender o que está acontecendo, para depois voltar a acompanhá-la.

Essa aceleração ou desaceleração musical é constante nas apresentações ao vivo dessa banda que a considero uma das melhores surgidas no Brasil. Infelizmente esse excesso de efeitos sonoros deixa um ruído horroroso no palco, que ecoa no ambiente do show e não se sabe para que lado está indo a música, ao contrário do original do estúdio, quando se valoriza os instrumentos, o acorde, a harmonia, a melodia e se ouve, em alta e perfeita voz, cada estrofe das letras cantadas pelo inconfundível Falcão. E não o valor ao barulho ensurdecedor sem sentido.

No fim-de-semana passado a Musical Televison do Brasil exibiu o show ao vivo do Rappa, gravado na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, em agosto de 2009. Mais uma vez, infelizmente esses detalhes são percebidos. Parece até que está mais evidente e ainda mais barulhento. Não houve evolução para o bem dos nossos tímpanos que adoram ouvir O Rappa dos cd´s.

Nessa apresentação, novamente o contrabaixo de Lauro Farias, a agora bateria de Cleber Sena e o vocal de Falcão parecem sacrificados. Os teclados de Marcelo e Marcos Lobato, a guitarra de Xandão com pedaleira e os efeitos mixados pelo dj Negralha parecem continuar brigando por espaços diferenciados em algumas músicas, talvez as de sempre. Mas quando a guitarra acompanha o contrabaixo, a bateria e o vocal, deixando os efeitos sonoros só para o dj e teclados, “a coisa” melhora muito. E a qualidade dos cd´s, dos estúdios, chega também ao palco.

Enfim, sou fã e é difícil para mim emitir (e não omitir) opinião sobre aquilo que admiro sendo crítico assim. Deixar de ir ao show da banda, jamais! Deixar de comprar e ouvir um cd dos caras, muito menos! Só que, a partir de agora, precavido e convencido do que sei e do que presenciarei nos próximos shows.

Link do vídeo-clip da música "Não se Preocupe Comigo", do F.U.R.T.O.
http://www.youtube.com/watch?v=Mo-dQvbxZ0I

Pelo menos, aos meus ouvidos, colocar um cd produzido magnificamente na “Toca do Bandido” para ouvir, não quer dizer que estarei sendo extorquido ou roubado nas apresentações ao vivo no palco. Olha O Rappa! Olha O Rappa! Vai depender muito do gole a mais de bebida alcoólica ingerida.

E isso que acabei de escrever não é a mais pura verdade. Apenas o que sobrou do céu, fazendo a minha alma passar o rodo cotidiano nesse instinto coletivo. E também o que os meus ouvidos fizeram as minhas mãos teclarem em perfeito estado de lucidez e sobriedade.

Marcos Baeta Mondego
(sabadão, 22.08.2010, durante uma partida de futebol na TV)